Os jovens que moram na zona rural do Brasil representam uma significativa parcela da população. Seu papel é preponderante para a construção de uma sociedade mais justa, humana e ética. A juventude no campo representa a garantia da soberania alimentar e a continuidade do modelo de produção sustentável, com respeito ao meio ambiente, inovações tecnológicas, qualidade de vida e democracia. Confira a entrevista de Lucas Fernandes Barbosa, de 26 anos, um jovem que trabalha em prol da juventude. Ele é assessor de Desenvolvimento Organizacional do Trias Brasil, economista, Mestre em Sociedade, Ambiente e Território.
De acordo com o Censo (2010), estimou-se que a população jovem, entre 15 e 29 anos, no meio rural representava cerca de 8 milhões de pessoas – uma das maiores populações jovens que vivem no campo em todo planeta. A grande parte da juventude do campo estava ocupada na agricultura familiar, com maior concentração nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. A produção agropecuária em bases familiares é um importante setor econômico para geração de renda, trabalho e ocupação, seja por meio da produção própria, quanto na prestação de serviços.
O êxodo rural, iniciado com maior ênfase na década de 1970, ainda é um dos desafios para o campo. Esse movimento migratório foi acentuado na última década e coloca-se como um desafio para sucessão familiar e continuidade da produção sustentável de alimentos. A falta de oportunidades e exclusão socioeconômica da juventude do campo, refletida pelo distanciamento das políticas públicas, representa um obstáculo, desdobrando em problemas sociais no contexto urbano e rural.
Os deslocamentos da juventude no campo sempre foram colocados como um desafio para as gerações passadas. Contudo, a compreensão dos movimentos dessa população, nos últimos anos, foi apresentando novas dimensões. A juventude não é uma população estática, os seus movimentos de mobilidade são naturais em seu processo de reprodução e continuidade. Dessa forma, organizações sociais, universidades e a sociedade como um todo estão compreendendo que os movimentos entre “ir” e “vir” são parte da trajetória dessa população.
Anteriormente ao reconhecimento institucional das organizações sociais e a ampliação das políticas públicas sociais nas últimas décadas, as migrações estavam relacionadas à fome, desemprego e a condições de vida desfavoráveis para mulheres e homens jovens. Contudo, percebe-se que os elementos relacionados ao acesso à educação de qualidade, ampliação das inovações tecnológicas, meios de transporte mais acessíveis e o reconhecimento público da agricultura familiar como setor estratégico na sociedade, criou um paradigma para a juventude do campo. As diferenças sociais entre o campo e a cidade foram reduzidas, a presença de programas sociais e a educação do campo contextualizada foram determinantes para estimular a presença do jovem no campo.
Ao pensar na juventude do campo e seu papel na agricultura familiar é preciso reconhecer a diversidade dessa população. Na agricultura familiar, a juventude está organizada nos movimentos agroecológicos, na educação do campo, no cooperativismo, sindicatos e tantos outras formas de organização coletivas, contribuindo diretamente em seus territórios: no campo, nas águas e nas florestas.
Possivelmente, a maior contribuição da juventude na agricultura familiar é a promoção da sucessão no campo e garantia da soberania alimentar. A presença de jovens no campo representa a continuidade do modelo de produção sustentável, com respeito ao meio ambiente, promoção de inovações tecnológicas e melhoria na condição de vida das famílias no campo.
Nas últimas duas décadas, foram elaboradas um conjunto de ações e planos de apoio à juventude rural, sobretudo, no âmbito do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Essas experiências foram reunidas no Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural (2016), dando destaque para as políticas públicas segundo os seus eixos prioritários: terra e território, trabalho e renda, educação do campo, qualidade de vida e participação, comunicação e democracia.
No âmbito das políticas públicas relacionadas à terra, destaca-se o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) e os processos de regularização fundiária por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Sobre o aspecto de trabalho e renda, as modalidades do Pronaf Jovem, acesso à Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), Pnae, PAA e participação em programas de Assistência Técnica e Extensão Rural são programas e políticas públicas fundamentais para garantia da produção e comercialização dos produtos da juventude rural.
A educação do campo também se tornou um objeto de política pública nos últimos anos. Programas como Pronatec Campo, Pronera e o fortalecimento da agenda das Escolas Famílias Agrícolas, foram fundamentais para qualificação técnica e ampliação das inovações na agricultura familiar do país. Por fim, a incidência política e participação democrática dessa população em espaços coletivos consolidou a agenda nacional de promoção das políticas públicas direcionadas à juventude rural brasileira. Tendo como exemplo a participação nos Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial (Nedets), Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (Condraf) e na Reunião Especializada da Agricultura Familiar (Reaf).
É possível apresentar os principais desafios em três níveis: indivíduo, família e sociedade. No âmbito individual, a juventude é uma fase extremamente complexa para qualquer pessoa, para o jovem do campo isso é potencializado pela falta de oportunidade no mercado de trabalho e a necessidade de qualificação, traduzido pelo ingresso no ensino superior – realizado, na maioria dos casos, na cidade, tornando uma fase de muita incerteza e inconstância para a juventude.
No âmbito da família, o processo de sucessão familiar e das relações de parentesco ainda não são bem definidas nessa altura da vida. Dessa forma, conflitos entre parentes, irmãos e pais, são comuns. Para a juventude do campo, promover a sucessão do negócio da família requer habilidades sociais e qualificação técnica, provando para a própria família e sua comunidade sobre suas capacidades de continuidade da produção familiar.
Por último, a sociedade pressiona ao jovem do campo a necessidade de estilos de vida ou formas de se organizar desassociada ao contexto do campo. Os estereótipos de casos de sucesso vinculado à sociedade urbana e o atraso do campo são limitantes para o empoderamento e participação dessa população nos espaços democráticos e decisórios no nível da sua comunidade, município, cooperativa, entre outros.
Como a Unicafes e o Trias contribuem para o fomento do trabalho do jovem na agricultura familiar?
A Unicafes, juntamente com seus parceiros, busca promover o autoconhecimento da juventude do campo baseado em capacitações técnicas e formações sociopolíticas associadas ao tema do cooperativismo solidário e formas coletivas de organização social. Além disso, projetos produtivos que visam à inclusão produtiva e social desses grupos nas cooperativas, por meio de assistência técnica contextualizada, são alternativas para oportunizar jovens homens e mulheres a continuarem reproduzindo um modelo de produção e sociedade viável, baseado nas relações de solidariedade. A nossa expectativa é que o Pecsol Jovem possa ser uma ferramenta de transformação social no âmbito do cooperativismo solidário. Promover a participação juvenil através da formação técnica e política deve criar um ambiente mais inclusivo e diverso nas cooperativas vinculadas à Unicafes e sua rede de parceria.