Artigo: O caminho da comercialização da matéria-prima à prateleira
15 de agosto de 2025

A comercialização da produção oriunda da agricultura familiar cooperada constitui-se como elemento central na sustentabilidade econômica e social dessas organizações. O percurso necessário para que os produtos cheguem aos diversos mercados — locais, regionais, nacionais e, em alguns casos, internacionais — é permeado por desafios estruturais, institucionais e logísticos. Nesse processo, a cooperativa desempenha um papel articulador, conectando as potencialidades produtivas de sua base social às demandas e exigências do mercado consumidor.

 

A construção dessa trajetória inicia-se com o conhecimento aprofundado do potencial produtivo de seus cooperados, em diálogo com as possibilidades de agroindustrialização e com as tendências de mercado para os produtos disponíveis. Nesse estágio, a parceria com universidades e instituições de pesquisa mostra-se estratégica, sobretudo pela sua capacidade técnica em mapear e analisar dados, identificar nichos de mercado e orientar processos de tomada de decisão.

 

Com base nesse diagnóstico, a cooperativa define a estratégia de beneficiamento mais adequada à sua realidade: industrialização própria, terceirização, produção artesanal ou mesmo a comercialização do produto in natura. Cada alternativa implica diferentes níveis de investimento, regulação sanitária, capacitação técnica e inserção comercial. O caminho adotado deve estar em consonância com os objetivos coletivos e com a sustentabilidade organizacional da cooperativa.

 

Uma vez definido o produto final, torna-se necessário mapear os canais de comercialização mais adequados. As compras públicas, especialmente por meio dos programas PNAE e PAA, têm se mostrado relevantes fontes de receita para muitas cooperativas, por exigirem menos investimentos em processamento e marketing e oferecerem preços mais estáveis. No entanto, trata-se de um mercado com limitações, como a sazonalidade da demanda (especialmente durante os períodos de férias escolares), a dependência de editais e a baixa diversificação da pauta de produtos absorvida por esses programas.

 

Em contrapartida, os mercados privados — como feiras, vendas diretas e redes varejistas — oferecem maior diversidade de possibilidades, mas exigem maior preparo técnico, capacidade de negociação, investimentos em marca, embalagem e logística. As feiras da agricultura familiar, em suas diversas escalas (municipais, estaduais e nacionais), configuram-se como espaços estratégicos de visibilidade, construção de redes de consumidores e inserção comercial. As cooperativas desempenham papel central na mobilização de expositores, organização dos produtos e articulação com os organizadores dos eventos.

 

A venda direta ao consumidor, por meio de aplicativos, grupos de consumo consciente ou outras formas coletivas, tem ganhado relevância no contexto urbano e representa uma alternativa de comercialização baseada na confiança, na rastreabilidade e na valorização de produtos da sociobiodiversidade. Já o canal de maior absorção, as redes varejistas, apresentam exigências mais elevadas em termos de regularidade de fornecimento, padrões de qualidade, embalagens padronizadas, marketing e logística, o que demanda maior maturidade institucional e capacidade de gestão das cooperativas.

 

A logística, nesse contexto, é elemento crítico. A estrutura de armazenagem e de distribuição deve ser compatível com o tipo de produto ofertado e com os canais definidos. A composição do mix de produtos também influencia diretamente a eficiência logística, uma vez que itens com maior valor agregado e menor volume podem viabilizar economicamente o transporte de outros com menor margem e maior volume. A busca por rotas integradas, transporte compartilhado e centros de distribuição regionais pode contribuir para a racionalização dos custos.

 

No varejo, um dos grandes desafios está em promover o giro dos produtos na prateleira. Para isso, torna-se necessário o investimento em estratégias de marketing que comuniquem adequadamente os atributos dos produtos da agricultura familiar. A degustação e a experimentação sensorial têm se mostrado eficazes, sobretudo quando se trata de alimentos oriundos de uma biodiversidade muitas vezes desconhecida do consumidor urbano. O marketing de influência, com apoio de lideranças comunitárias, chefs de cozinha e comunicadores sociais, também vem sendo utilizado com bons resultados.

 

Produção à prateleira
Compreender o percurso do alimento — da produção à prateleira — é essencial para que as cooperativas e seus cooperados possam atuar com maior racionalidade econômica, identificar gargalos e aperfeiçoar os processos de produção, agregação de valor, precificação e comercialização. A precificação, em particular, requer atenção redobrada, pois preços mal definidos (acima ou abaixo do praticado no mercado) podem inviabilizar a inserção comercial do produto, comprometendo a sustentabilidade financeira da cooperativa.

 

Apesar dos inúmeros desafios, a construção de arranjos comerciais sólidos e sustentáveis pelas cooperativas da agricultura familiar apresenta um potencial transformador concreto. Ao fortalecer os circuitos curtos de comercialização, gerar renda no território e promover a permanência dos jovens no campo, essas organizações reconfiguram as dinâmicas de desenvolvimento local. A atuação das cooperativas na comercialização extrapola a dimensão econômica: trata-se de um projeto político-pedagógico de valorização da produção familiar, da cultura alimentar local e da sustentabilidade socioambiental.

 

Portanto, é urgente que políticas públicas, instituições de apoio e redes de solidariedade reconheçam e fortaleçam esse percurso, garantindo condições estruturais, técnicas e financeiras para que os produtos da agricultura familiar cooperada possam acessar mercados de forma contínua, justa e qualificada. Trata-se de promover a justiça econômica e alimentar a partir da floresta, conectando saberes tradicionais, práticas agroecológicas e inovação social na construção de um futuro sustentável para o cooperativismo solidário.

 

Marcos Vinicius de Andrade Gomes
Assessor Comercial da Unicafes Brasil

 
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